M era uma prostituta de uma certa zona boêmia. Talvez a mais antiga desta zona. Certa manhã ela acordou e descobriu que estava com câncer e que ia morrer em pouco tempo. Todas as noites de sua malfadada vida caíram então em sua cabeça, esmagando suas memórias implacavelmente. Sentia-se suja não pelo tumor canceroso que lhe esvaía a vida, mas pela consciência de ter vivido uma vida sem sentido.
E enquanto o câncer lhe sugava toda a vida de seu corpo debilitado, seu passado corroia os pensamentos de sua cabeça magra e cadavérica. Passava os dias num torpor que ressoava a morte, quase nunca recebia visitas. Parecia mais um cadáver, um ser abjeto e sem vida, num barraco mal iluminado e fedido.
O que antes era uma vasta cascata negra havia se transmutado num couro decrépito, numa cabeça com cabelo algum. O corpo que antes era o templo dos amores impossíveis e devassos, dos prazeres escusos, do alívio imediato de um dia tenso e catastrófico, virou apenas uma ossada em que mal havia carne.
Certo dia, M já estava bastante febril, num estado quase catatônico, ela resolveu que queria se confessar. Nesse mesmo dia, nas sombras da rua uma figura se aproximava assobiando: um padre.
M estava deitada no colchão, o padre havia entrado e se ajoelhado ao lado dela. “Me perdoe padre, porque eu pequei, desonrei meu nome e o da minha família, e agora morro sozinha”
Ao que o padre respondeu: “Por que pedes perdão criatura ignóbil e infeliz? Que fizestes de tão mal que tens que pedir meu perdão? Pois acaso não sabes tu que desempenhastes um papel assaz importante? Não sabes tu que quem tem que pedir perdão não és tu, mas sim aqueles engravatados, que depois de se saciarem em teu corpo voluptuoso te abandonam à tua própria sorte? Que eras de tu em todas aquelas manhãs que acordastes sentido um peso opressor nos ombros, com dois copos vazios ao lado da cama? Todas as manhãs que procurastes ao teu lado alguém, mas havia apenas garrafas de vinho vazias e um cheiro de sexo no ar, e todas as noites em que eras a deusa mais bela do Olimpo para vários homens, constantemente bêbados, todos esses dias desprezíveis de tua vida não foram exclusivamente tua culpa. Agora não tens mais cabelos, já não sois bela, e todos te abandonaram, e ainda vens me pedir perdão? Não peças perdão, mas antes escarre em cima de todos”.
Quando terminou o padre deitou-se ao lado de M, acariciando-a e beijando-a. Despiram-se, e segundos depois M foi penetrada pelo padre. Ela nunca havia experimentado um sexo daquela maneira: chegou às raias da loucura, tamanho foi o prazer. Morreu no derradeiro gozo, o mais intenso que jamais sentiu.
O padre enrolou o corpo de M em um lençol e o enterrou numa vala comum de um cemitério qualquer. Depois de enterrá-la, voltou à zona boêmia para mais uma noite de bebedeira.
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