terça-feira, novembro 28, 2006

Boemia

Acordou, olhou o teto branco

Onde a aranha preta

Se balança

Dança



Na mesa ao lado, garrafa vazia

De vinho tinto

Barato

Rato


Lençóis desalinhados, cabeleira solta

Da mulher ao lado

Prostituta

Puta


Cabeça pesada, cérebro latejante

De álcool que se esvai

De ressaca

Água


E o sol sempre nasce, o sol sempre morre

Todo dia, o dia todo

A lua às vezes vem cheia, às vezes vazia

Ilumina o copo, o corpo sem esboço

Bêbado

Cômico

Sorriso

Felicidade?


O ciclo, ciclovia

O mesmo vinho

A mesma sina


É noite, é hora.

domingo, outubro 08, 2006


Se a literatura é linguagem carregada do mais alto grau de significado, talvez o cinema seja imagem carregada do mais alto grau de significado, e nada mais apropriado para comprovar isso do que Profissão: Repórter, de Antonioni, onde o cinema puro está presente em todas as cenas, encontrando o ápice no surpreendente plano-sequência final.

quarta-feira, outubro 04, 2006


Há filmes que causam uma leve tristeza, há filmes que arrancam uma ou duas lágrimas, mas há uns poucos que simplesmente devasta, destroça, despedaça a alma de quem vê. Cemitério dos Vagalumes faz isso de uma forma tão poética, tão lírica, tão pungente, que posso considerar umas das melhores obras cinematográficas da década de oitenta, cacete, uma das melhores de todos os tempos (exagero? apenas o veja). Uma obra de arte pouco conhecida por aqui, mas que jamais deve ser esquecida por quem já teve o prazer de vê-la.

sexta-feira, setembro 01, 2006

Que morra longe de mim

A morte da morte que não morra aqui perto que não morra ao meu lado que não feda aqui no bairro que se dane lá longe que eu não veja que eu não escute que eu não sinta a mão fria a mão morta da morte da morte que se passa que se mata na mata virgem a virgem morte que não mata mas que se um dia mata e morra que morra longe de mim.
Final feliz que traz felicidade que foge fugaz como uma raposa vira triste o fim no fim de um filme ruim final triste final trágico que se acabe longe daqui que se ria longe de mim que não se chore aqui porque não quero ver sorriso não quero ver lágrima longe do fim no meu fim que inicia a morte da alegria da tristeza no fim de um filme ruim que passe que repasse que trespasse a carne e mata mas que morra longe mim.
Estouro da pistola que esfola que degola a cabeça que rola que sangra o sangue culpado que transforma a morte num espetáculo num receptáculo de dor que assola que devora quem sobrou quem matou sendo inimigo se consola sendo amigo se apavora e chora mas que sangre mas que role do outro lado longe do meu bairro que chore que ria que mate que morra longe de mim.
Se não escapo do riso do sorriso do choro do desconsolo da morte matada morte morrida que se passa todo dia como um filme ruim que não termina que se arrasta eu me arrasto e ando e corro e sangro e vivo a vida que foge todo dia pelo canto do olhar pelo canto noturno que escuto se não escapo porque estou vivo que um dia eu morro mas que morra longe de mim.

terça-feira, agosto 29, 2006

Corrida Espacial

Uma proveta individualista de totens modernos
Berra ao mundo prazeres eletrônicos em pílulas biônicas,
Torres astronômicas despejam ondas subatômicas
No tráfego de informações de bites comprimidos

O satélite geo-estacionário trafega entre dejetos espaciais
Envia sinais invisíveis aos oráculos televisivos
Diminui as muralhas das distâncias milenares
Ao som de uma valsa em sua eterna dança giratória

Toneladas de óleo queimam para elevar o gigante
Das plataformas terrestres de aço, fios e fogo
Para alcançar o infinito azul do horizonte perdido

E entre o concreto, o asfalto, a terra e a lama
Observamos o foguete em busca do zênite
Na esperança de um novo mundo na distância

sexta-feira, agosto 25, 2006

Cervejada

Nasce a lua, começa a noite, uma loura gelada
A primeira cerveja, já mofando, que refresco
Tomo com gosto, quão deliciosa, que cevada
Eu, minha cerveja, a sós num bar sem adereço

Vem a segunda, ainda mais gelada, gostosa
Emborco o copo garganta adentro, estremeço
Mas que loura, me encanta, é tão fogosa
Não me dá trégua, e eu nunca mais a deixo

A terceira vem, ah, o sabor que ela tem
A tomo com ainda mais prazer, e que prazer
Já a quarta vai descendo, vai descendo
Uma passo pra o banheiro

A quinta vem, o banheiro outra vez
Na volta, a garrafa me encara
O gosto aos poucos se esvai
Já a sexta o garçom traz

A loura deliciosa
Já vai e vem, dominando

Ante


Mira o vaso.... pa.. a parede




A sétxima ou a oitxava????

A noooooo ........................... na......

Quantas.......hããã, ah, a conta

A r u a trrrrreme,
O cãominho pa caxa
To m...
blueeeeeeeeeeeeeeeeeeerrrrrrgh

quinta-feira, agosto 24, 2006

Sejamos Felizes

(escrito em parceria com Au-Au)



Um cobrador e um motorista me fazem companhia no caminho de volta pra casa. Enquanto me sento no último banco do ônibus, observo os gigantes de concreto que passam pela janela, como se fosse um filme, e, numa embriaguez sem ter bebido imagino as vidas como a minha, dos pedestres que se aglomeram como formigas em cada cruzamento. Meu primeiro dia de trabalho foi como esperado: nauseante, monótono e desgastante. As pessoas me pareceram todas iguais, sentadas em suas mesas padronizadas em seus computadores brancos, sem máculas. Terei que fazer companhia diariamente ao meu computador IBM até enveredar no mundo das ilusões... o único mundo verdadeiramente real. Aquele que amo, e desprezo e deturpo. O ônibus continua seu sacolejar, agora mais lotado... Não suporto me envenenar com seres da mesma espécie; todos iguais, todos atarefados, todos cheios de si, e sem idéias perigosas na cabeça. Um minuto a mais nesse ônibus, vomitaria... mas chego a minha parada. Que diferença faria? (sinceramente gostaria de expulsar esse demônio em forma de interrogação do meu traseiro). Meu velho cachorrinho Billy me abraça ao seu jeito desengonçado, verdadeiramente feliz por ter chegado em casa. Num afago desesperado, lhe retribuo o carinho. A loucura deve ter batido em minha porta... agora vejo o sacrifício dos meus pais por novos ângulos de... monotonia. Entro, tiro a roupa e me masturbo pensando na modelo gostosa do outdoor, que nunca vou conhecer. Orgasmo...entro num torpor vazio, sentado na privada. O telefone me lembra que ainda estou vivo. Atendo-o e reconheço a voz disfarçada de mamãe. Digo-lhe que está tudo bem, o que mais poderia dizer? O mesmo de sempre; a mesma conversa. Nada de novo no front. Palavras sem sentido, rasas, de vida curta, que morrem assim que são ditas. Sim, para renascerem no outro dia, e morrerem, deixando apenas o aparelho. Desligo-me na escuridão da sala de estar. Sua voz continua a incendiar a minha mente com aquele tom resignado de despedida, que jurei esquecer a mim mesmo. Mas que já no outro dia, e desde sempre, me lembrarei penosamente. Vou até o sofá calvo que estende docemente seu braço espumoso ao gancho do telefone. Desvio meu olhar e, por algum motivo, começo a chorar catarticamente. Tenho que sair dali, senão enlouqueço de vez. Dou uma mijada e me vou agora pra cozinha desse labirinto claustrofóbico. Meu jantar requentado me traz paz por sua exatidão simples. Resolvo voltar pra sala de estar, e ligo a tevê. A mesma bosta sem cheiro de sempre, as mesmas pessoas... no trabalho, no ônibus, no TELEFONE, na tv, me perseguem incansavelmente... caralho! O que posso querer ver? Nada seria o mais sábio, mas a escuridão me consumirá completamente sem os raios catódicos da tv. Começo a apertar os botões do controle remoto, tentando encontrar algo prazeroso. È inútil, nem um programa sequer sobre golfinhos ou cachorros molhados, apenas pessoas fingindo serem quem não são. O silêncio passa bem próximo da minha janela entreaberta, o mundo poderia acabar nesse momento. Morreria feliz com um último gesto gentil da natureza. Que se foda! Inferno ou Céu, qualquer coisa pode ser mais suave do que isso. E também mais propício à liberdade. Ainda penso na modelo. Se fosse rico, ela seria capaz de morrer por mim? Ou, até mesmo, eu em sua boca? Bem, a brincadeira chega ao seu precoce fim; a projeção de um filme ruim em andamento num canal em má sintonia me teleguia pra cama. Fixo o meu olhar para o teto enquanto as horas deslizam sorrateiramente lá fora... Homens se empurram maquinalmente em busca de um orgulho que os ceifará, e ainda sorrirão pra tolos como eu... Não obstante, o sol surgirá novamente banhado pelo sangue dos imolados (esses frescos) da vida industrializada, na pós-modernidade de torres de metais... trazendo sentimentos paumolescentes para esse quarto vazio de sonhos. Mas é hora de dormir, e acordar para os mesmos computadores, ônibus, pessoas, prédios e outdoors, num ciclo que talvez nunca termine. Sejamos felizes, amém.

quarta-feira, agosto 23, 2006

Três certezas e um talvez

Talvez eu me perdesse insensatamente
Em partículas homogêneas de núcleos atômicos
E até colhesse
Cogumelos vermelhos
Gigantes
Pequenos

Talvez eu me achasse incansavelmente
Em fileiras heterogêneas em ônibus enfurnados
De gente
Pessoas iguais
Diferentes

Talvez eu me encontrasse perdidamente
Em uma multidão cinzenta acerebrada
Em braços e pernas
E vozes
Gritos
Sussurros

E a certeza que me vem
Estupidamente
Energicamente
Que a gente simplesmente
mente

terça-feira, agosto 22, 2006

Eu sei do que eu gosto (no seu guarda-roupa)...

...e são as.... opa!! post só pra anunciar o blog do grande Bob, não o Marley, nem o Dylan, nem o Esponja, mas Bob o poeteiro e psicólogo das coisas inanimadas, o link tá aí do lado, Hora Neutra da Madrugada, mas vai aqui também http://www.zerohoraneutra.blogspot.com/

Direto de Portugal

Alguns títulos de filmes traduzidos no Brasil são estranhos, mas tem uns em Portugal que são verdadeiras pérolas cômicas, vejam só alguns exemplos (primero o nome em Portugal, depois o daqui e o original):

A Verdadeira História de Jack, O Estripador - Do Inferno (From Hell)

O Bom, O Mau e o Vilão - Três Homens em Conflito (The Good, The Bad and The Ugly)

Danny The Dog, Força Destruidora - Cão de Briga (Danny The Dog)

Um Mau Nunca Vem Só - Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (Lock, Stock and Two Smoking Barrels)

À Boleia Pela Galaxia - Guia do Mochileiro das Galáxias (The Hitchhiker's Guide to the Galaxy)

A Minha Namorada Tem Amnésia - Como Se Fosse a Primeira Vez (50 First Dates)

A Mulher Que Viveu Duas Vezes - Um Corpo Que Cai (Vertigo)

A Vida Não é Um Sonho - Réquiem Para um Sonho (Requiem For a Dream)

Arac Attack, Tarados de Oito Patas - Malditas Aranhas! - (Eight Legged Freaks)

Noivos Sangrentos - Terra de Ninguém (Badlands)

e meu preferido de todos os tempos:
As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim - Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China)

domingo, agosto 20, 2006

Eu queria morar em Beverly Hills (nem a pau)

As vezes eu acordo me sentindo um lixo humano, um motherfucker ducaralho. Maldita ressaca estroboscópica, vai se meter no cu de um jumento no interior da porra do sertão, e não atormente minha maculada existência nesse puto mundo de deus. Nesses dias não há verdadeiramente uma escolha, só o arrastar dos pés pela porcaria do apartamento, um olhar convulsivo no espelho quebrado, falta até coragem de fazer a barba, porra, a vida devia ser mais leve, não esse pesar constante, essa tonelada de peso morto sobre a minha cabeça, maldito uísque falsificado. O mundo anda doente, com câncer de próstata e milhões de hemorróidas no cu, um velho moribundo, ressentido e amargo, xingando deus, o diabo, o homem e o que se foda. Esse monstro doente sempre escarra no meu rosto, sempre me lembrando do próprio gosto acre do maldito. Maldito. Não se respeita os velhos valores, quando Baco ainda andava entre nós, oferecendo orgias espetaculares e vinhos até não poder, não, o respeito foi pelo ralo, se falsifica o uísque, uma blasfêmia. O mundo moderno, ou pós-moderno, ou seja lá o que as malditas convenções humanas chamem, esse mundo aos pedaços oferece álcool sem qualidade para seus filhos sedentos. Justiça seja feita, é verdade, há lugares em que nem isso se tem, então, qual a escapatória? faremos a guerra, caralho, isso sim é que é fuga, miolos espalhados na terra e carne queimada. Bem, agora uma cerveja, amiga infalível, e Beverly Hills que se foda.

sexta-feira, agosto 18, 2006

É Cerva Mamãe

Para os amantes da cerveja, como eu, o top 20 do meu amigo Au-Au: http://au-au.blogspot.com/2006/08/top-20-cervejas.html

quarta-feira, agosto 16, 2006

Acróstico

Violáceos pores de sol em estações entre
Idas e vindas de trens pretos e fumacentos
Onde corpos esquálidos disputam um
Lugar imundo para lutar pela sobreviv
Ência agarrados uns aos outros
Numa dança cadavérica descontrolada e
Cruelmente desesperada rumo ao
Início do terror mais grotesco que
Alguém jamais imaginou realizar.

segunda-feira, agosto 14, 2006

Minha rebelião cósmica de outono

O sol se pôs e nunca mais voltou para anunciar as manhãs doentes de decadência e destruição, para acender poços de petróleo fumegantes, que ardem em fogos azul, amarelo e verde. O sol se escondeu do caos ordenado por foguetes azuis, brancos e vermelhos, por aviões supersônicos a zombar dos frágeis prédios de concreto sob suas asas.
O outono surgiu na escuridão do mundo, levando as últimas folhas verdes para recantos profundos, deixando apenas o cinza e as cinzas de um velho mundo.
No planeta morto, carros esquecem de trafegar, tvs não transmitem as mentiras diárias em doses homeopáticas, elevadores não sabem mais o caminho do céu, escadas desmoronam sobre as cabeças cancerígenas e olhos arregalados, palácios governamentais acendem em grandiosas explosões subatômicas.
Os últimos recursos energéticos dão força aos ônibus espaciais, onde os grandes líderes, os grandes farsantes e os pequenos vendedores ambulantes de produtos de beleza fogem do eterno outono que recaiu sobre o planeta.
O último reduto da humanidade, a expansão espacial, a última chance de uma raça em extinção. No planeta moribundo, apenas a escória, para viver sufocada por gases sulfúricos e letais. Não se ouve o gorjear das aves. No exílio, tudo morto, menos os moribundos soldados em verde e marrom.
No espaço a nova esperança, prontamente decapitada por múltiplas explosões nucleares, que derretem o aço e destroçam a vida dos pretensos conquistadores espaciais.

Adeus grandes líderes fugitivos, queimem no inferno. Escória, bem vinda ao planeta Terra, acomodem-se, não há escapatória.

domingo, agosto 13, 2006

Viver a Vida

A arte e o belo não fazem parte da vida. A arte e o belo são a vida.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Ensaio sobre o P(f)oder

Poder foder, foder poder, uma ode ao que se fode, se posso, por que não foder?
Se poder não é foder, não há foda que possa me parecer tão aprazível
Mas veja, do poder ao foder não há um terço de légua, um régua para medir
A curta distância entre foder podendo, podendo foder o que vier
Que quando vem, podendo, não se deixa de foder, pois se posso, por que não foder?
Por que não? Tanto posso, tanto fodo, daí concluo, o foder corrompe.

quarta-feira, agosto 09, 2006

You say you want a revolution



Escrever sobre a revista em quadrinhos Os Invisíveis é um exercício ao mesmo tempo intrigante, pela complexidade da trama, e fascinante, pelos vários níveis de leitura, e variadas interpretações. Para início de conversa, não é nada simples tentar descrever sobre o que é exatamente a estória: é sobre sociedades secretas, magia, ocultismo, drogas, ultra-violência, opressão, armas, kung-fu, Magika do Caos, aliens, UFOs, o mito da Caverna, o underground, controle governamental, revoluções, guilhotinas, Lord Byron, Percy Shelley e Marquês de Sade, milhões de referências à cultura pop, Beatles, Pink Floyd, Terrence McKeena, behaviorismo, travestis (isso mesmo, um dos personagens principais é um travesti), e, lógico, a eterna dicotomia bem/mal (que na obra adquire um caráter ambíguo).
Com tanta coisa misturada, pode-se crer que facilmente desanda-se ao prolixo, que ao tentar dizer tantas coisas, acaba sem dizer nada, perdendo-se no labirinto de referências e temas em que o título trafega. Mas Grant Morrison consegue juntar tudo isso, de maneira que não pareça simplesmente um desfile de referências: por exemplo, temos na primeira edição um experimento que muito lembra a experiência de “A Laranja Mecânica”, que transforma jovens revoltosos em peões submissos, e essa referência não é apenas algo solto, sem relevância, mas é essencial para o caráter da história, que, entre outras coisas, lida com a liberdade do indivíduo, seus limites, suas conseqüências, etc. Também na primeira edição, o jovem hooligan Dane, em 1995, Liverpool, sentado sozinho na rua, vê John Lennon e Stuart Stutcliffe passando e conversando sobre o porquê deste ultimo querer sair da banda. O que poderia ser uma homenagem sem relevância aos Beatles torna-se algo que serve a estória, e que vai ser bastante utilizado ao longo da obra, que é o fato do tempo ser um só, passado, presente e futuro coexistem.
Ainda no campo das referências, quando Percy Shelley e Lord Byron aparecem como personagens no arco de histórias Arcadia, eles também têm relevante impacto, não tanto para a trama em si, mas para discussão que se propõe na trama com relação a vários aspectos da Revolução Francesa, tratando ora do caráter utópico ora do caráter pragmático da revolução, ora o pessimismo, ora o otimismo.
Ao longo da trama, o autor desenvolve temas variados e complexos, como os motivos que levam uma pessoa a ser um opressor ou um lutador contra a opressão, o uso de máscaras para se proteger (segundo o autor, é a armadura mais forte), a desobediência civil, a corrupção do poder, o papel das cidades no mundo moderno (aqui com ficção, mas nem tanto) etc.
A trama, de maneira bem, beeeeem geral, é a seguinte: existe uma sociedade secreta chamada Os Invisíveis, que luta contra forças que usam os seres humanos para seus propósitos, sem que estes se dêem conta disso (Com certeza, uma das inspirações para Matrix), e a obra mostra uma das células dessa sociedade.
Enfim, o que temos com essa obra não é apenas uma salada de frutas de temas tão diversos quanto complexos. Temos um retrato de uma sociedade moderna, mergulhada num turbilhão de informações, onde se faz parte de um pedaço, mas nem sempre se compreende o todo. Uma sociedade por vezes compreensiva, quase sempre intolerante, e sempre paradoxal.


Para os que quiserem ler essa magnífica obra, a coisa fica feia, porque só foi publicado aqui no Brasil até a edição 16. O jeito é apelar para a Internet, como eu fiz. Quem se interessar, pega o torrent aqui: www.thepiratebay.com, põe pra procurar por The Invisibles, e boa sorte.

segunda-feira, agosto 07, 2006

Tinta Invisível

O texto que segue abaixo foi copiado da revista em quadrinhos The Invisibles, foi uma resposta dada por Grant Morrison a uma carta na edição 14, com relação a primeira edição da revista, onde um personagem realiza um ritual com LSD e invoca John Lennon. A opinião exposta nela é bem interessante, e acho que vale a pena a leitura, tanto pelo próprio conteúdo dela, como pelo fato de expor que quadrinhos são sim uma forma de arte, que podem gerar discussões produtivas. Sem mais enrolação:


"What I’m most aware of in these anti-drugs letters is a basic lack of understanding about what “drugs” are and what they do. The word “drugs” has been used as a catch-all term for a whole range of psychoactive substances, many of which bear as much relation to one another as do chairs and fish. For instance, LSD and crack cocaine have both been placed in Schedule I of the FDA’s Controlled Substance Act (equivalent to Class A in the UK). The Schedule I classification is reserved for those drugs considered most dangerous and harmful to the individual and society at large. Crack, however, is a stimulant drug that generates a short and powerfully euphoric “rush” effect; it is extremely addictive, produces severe withdrawal symptoms and can cause various physiological problems, including critically high blood pressure and lung and heart damage, LSD, on the other hand, is an hallucinogen, the effects of which normally last for eight to twelve hours and include altered perceptions of time, sensory distortions, increased sensitivity to bodily processes, heightened emotions and suggestibility and a whole range of mood alterations, from euphoric bliss to sheer animal terror, depending on the state of mind of the user. It is non-addictive and cannot be successfully abused – due to a tolerance effect which renders the substance ineffective after three or four days of constant use and produces no adverse physical effects. The worst that can be said of LSD is that some users, taking the drug in threatening surroundings or while depressed, can experience profound panic reactions and feelings of paranoia. Crack and LSD are quite evidently two completely different chemicals with very different effects and consequences, yet both are lumped together under the pejorative heading of “drugs”, in such a way that a great many people who see “drugs” in negative light have simply no idea of the vast gulf of differences that exist between one substance and another.

Now consider the case of refined sugar, which is a stimulant drug with the characteristic “rush”, is highly addictive, produces withdrawal symptoms and has destructive effects on the body. Sugar abuse and addiction is more widespread in the Western world than heroin abuse. Most of us are, in fact, hopeless sugar addicts but sugar is perfectly legal and so widespread that most people find it almost impossible to countenance the notion that their abuse of this substance makes them as much a drug addict as any hollow-eyed junkie in Times Square (who is only hollow-eyed and sick because he/she can’t afford a regular supply of pure heroin). So while I have no desire to lead impressionable readers into a cesspit of moral and physical decay by advocating any kind of drug use, I think it’s important to make oneself aware of what “drugs” are and how society attempts to control our perceptions of what is a “good” drug, what is a “bad” drug, and what is never spoken of as a drug at all. I think it’s important to make oneself aware of the misinformation, evasions, distortions, and downright lies that fuel the so-called “War on Drugs”. (Which is not, as Oliver Steinberg pointed out in Pissing Away the American Dream – edited by David Rees – a war on drugs but a war on people. And if our governments are really as concerned as they claim to be about the human suffering and the miseries engendered by drug abuse, why have they not mounted a similar “War on Cars” offensive? Automobiles kill and injure more people every week than all drugs put together could ever hope to do in a month or even a year. Could it be simply that cars are tolerated because they serve the status quo while many drugs not? Whatever the reason, it clearly has nothing at all to do with concern for human safety and health, in spite of government platitudes.)

Which brief background material brings me tortuously to main thrust of your argument, Pete. You suggest that creative people using drugs and “cheating” and compare them to athletes taking steroids or to cars running on nitrous oxide. I would venture to suggest that an auto that runs on nitrous oxide is still an auto if it gets you to work in the morning and go on to say that an athlete in competition is being tested for his physical accomplishment against other athletes, and if the ground rules of the test prohibit the use of performance-enhancing drugs, then the athlete who uses steroids, for instance, is quite clearly in breach of agreement. A piece of art, however, must stand on its own as either a successful piece of art or an unsuccessful one. In my opinion, it doesn’t matter whether John Lennon was peaking on LSD or completely straight when he conceived, wrote or recorded “Strawberry Fields Forever”. It’s still a great song. In my opinion, Naked Lunch is a great book, and whether it was written on heroin or not doesn’t affect my response to the work. If Da Vinci came up with the idea for the Mona Lisa while he was drunk, it scarcely matters five hundred years later. What remains is the work itself and its ability to elicit a response in the viewer or listener. Which is to say that I believe a piece of art must be judged on its own merits. Am I making sense?”
Grant Morrison

quinta-feira, agosto 03, 2006

Divagações sob um sol avermelhado


Num deserto distante, dois homens contemplam as gigantescas dunas que não levam a lugar nenhum, sentados debaixo de um guarda sol minúsculo, observam dois escorpiões brigarem por um pedaço de arroz, e reclamam que a cerveja ferveu sob o sol escaldante. Transacionam um escaravelho mumificado, a morte fotografada por antigos, e repassam as tradições de uma floresta morta a meio século, na radioatividade do mundo moderno.

Do outro lado do mar, longe do deserto, o Divino Marquês entra na sua própria criação, observando, durante 120 dias, um banqueiro, um juiz, um padre e um duque dominarem um castelo cheio de jovens garotas virgens, prostitutas, velhas sebosas, jovens garotos angelicais, praticando atos de sodomia, testando os limites do prazer humano, passando pelos desejos simples, complexos, criminosos e por fim homicidas. 120 dias de sodomia. Não o suficiente, quanto mais fundo se vai, mais fundo se quer ir, e, no último dia, chamaram o general para praticar o verdadeiro horror, apertar o botão e lançar cogumelos atômicos de cima de um trono de ouro e diamantes.

A pequena cidade se apavora ao som dos aviões, menos uma garota, que come terra ao som de Mozart, contemplando os porcos se banharem na lama, sentido calores incompreensíveis pelo enorme garanhão marrom. No horizonte, cogumelos atômicos, na lama, os porcos observados pela garota comedora de terra e domesticadora de baratas planejam a próxima refeição.

45 cogumelos devastam os mares, as montanhas e os castelos de tempos imemoriais. A garota vomita a terra, dorme eternamente com os porcos. O homem moribundo, cuja mulher dormia com todos na cidade, se levanta, pega a derradeira cerveja, e corre nu em campos de futebol vazios e em plantações de banana dominadas pela peste.

Os dois homens no meio do deserto, observando o nada ao redor, vêem o cataclisma atômico formar tempestades de areia, camelos voadores e beduínos explosivos. No fim de tudo, um sorriso sarcástico trespassa seus rostos. Podem enfim voltar ao Olimpo.

quinta-feira, julho 06, 2006

A Singela Lambida


Quando Zé acordou depois de uma noite de sonhos eróticos, viu sua cueca rasgada tamanho era o tesão. Um banho frio não foi suficiente para diminuir toda tensão acumulada, muito menos o buraco na parede conseguiu diminuir o enorme ímpeto que tomava conta de Zé, tão solitário em seu banheiro, tão solitário em seu em seu apartamento vazio, tão solitário em meio a multidão nervosa numa tarde quente de um centro urbano.
Zé passou todo aquele dia com a libido a 100%. Ao chegar em casa de noite, algo como uma visão do paraíso surgiu em seu sofá, algo que o faria feliz e menos solitário, que o faria encarar a vida de maneira mais positiva, que poderia aliviar seus ímpetos e realizar seus desejos mais sombrios: uma pequeno ser de plástico, sem os braços, para não repelir os ataques do selvagem Zé. E naquela mesma noite, uma luz de lua cheia entrava no apartemento escuro, Zé ergueu a bonequinha para o alto, contemplando aquele corpinho nu, abriu suas perninhas, sentiu o cheiro do plástico e deu uma singela lambida na xoxotinha da boneca, e caiu duro no chão, com um sorriso no rosto, e ficou lá deitado com a bonequinha do seu lado, também sorrindo.

segunda-feira, julho 03, 2006

O retorno


Para os parcos leitores desta joça: a falta de atualizações se deve a um mês carregado, mas agora estou voltando, depois de voltar de Patos vivo, vamos ver o que sai dessa cabeça doente. Aí em cima alguns bêbado boêmios que também saíram vivos de lá. Talvez o próximo conto se passe por lá, ou talvez não.

sexta-feira, junho 09, 2006

A prostituta e o padre

M era uma prostituta de uma certa zona boêmia. Talvez a mais antiga desta zona. Certa manhã ela acordou e descobriu que estava com câncer e que ia morrer em pouco tempo. Todas as noites de sua malfadada vida caíram então em sua cabeça, esmagando suas memórias implacavelmente. Sentia-se suja não pelo tumor canceroso que lhe esvaía a vida, mas pela consciência de ter vivido uma vida sem sentido.
E enquanto o câncer lhe sugava toda a vida de seu corpo debilitado, seu passado corroia os pensamentos de sua cabeça magra e cadavérica. Passava os dias num torpor que ressoava a morte, quase nunca recebia visitas. Parecia mais um cadáver, um ser abjeto e sem vida, num barraco mal iluminado e fedido.
O que antes era uma vasta cascata negra havia se transmutado num couro decrépito, numa cabeça com cabelo algum. O corpo que antes era o templo dos amores impossíveis e devassos, dos prazeres escusos, do alívio imediato de um dia tenso e catastrófico, virou apenas uma ossada em que mal havia carne.
Certo dia, M já estava bastante febril, num estado quase catatônico, ela resolveu que queria se confessar. Nesse mesmo dia, nas sombras da rua uma figura se aproximava assobiando: um padre.
M estava deitada no colchão, o padre havia entrado e se ajoelhado ao lado dela. “Me perdoe padre, porque eu pequei, desonrei meu nome e o da minha família, e agora morro sozinha”
Ao que o padre respondeu: “Por que pedes perdão criatura ignóbil e infeliz? Que fizestes de tão mal que tens que pedir meu perdão? Pois acaso não sabes tu que desempenhastes um papel assaz importante? Não sabes tu que quem tem que pedir perdão não és tu, mas sim aqueles engravatados, que depois de se saciarem em teu corpo voluptuoso te abandonam à tua própria sorte? Que eras de tu em todas aquelas manhãs que acordastes sentido um peso opressor nos ombros, com dois copos vazios ao lado da cama? Todas as manhãs que procurastes ao teu lado alguém, mas havia apenas garrafas de vinho vazias e um cheiro de sexo no ar, e todas as noites em que eras a deusa mais bela do Olimpo para vários homens, constantemente bêbados, todos esses dias desprezíveis de tua vida não foram exclusivamente tua culpa. Agora não tens mais cabelos, já não sois bela, e todos te abandonaram, e ainda vens me pedir perdão? Não peças perdão, mas antes escarre em cima de todos”.
Quando terminou o padre deitou-se ao lado de M, acariciando-a e beijando-a. Despiram-se, e segundos depois M foi penetrada pelo padre. Ela nunca havia experimentado um sexo daquela maneira: chegou às raias da loucura, tamanho foi o prazer. Morreu no derradeiro gozo, o mais intenso que jamais sentiu.
O padre enrolou o corpo de M em um lençol e o enterrou numa vala comum de um cemitério qualquer. Depois de enterrá-la, voltou à zona boêmia para mais uma noite de bebedeira.

domingo, junho 04, 2006

Cine Clube

Acessem o link do Cine Clube Corte Seco aí ao lado, o novo cineclube de João Pessoa. Unidos pela cinefilia.
Essa semana sai conto novo, espero...

terça-feira, maio 23, 2006

Manuscrito da biblioteca

Eis que, ao estudar por um livro da biblioteca, encontro uma pérola: uma folha com algumas linhas rabiscadas, acho que os pedidos de ano novo de alguma garota, com sonhos bem prosaicos. Desde já, obrigado a essa anônima por ter me divertido num momento de estudo: quase tenho uma crise de riso ao ler... copio literalmente, com os erros:


"me casar na igreja com Estenio
Compra um apartamento
Conseguir um emprego
mim formar em Direito
quem minha mãe compre a casa dela
Ganha uma televisão de estenio
pagar minhas contas
e ver pai e mãe se casar
toni e anderson deixar de beber
que pai pague todas as contas dele
que pai pague o conserto da maquina
que estenio só tenha olhos pra mim."
(Anônima do livro de Direito Civil da biblioteca do Ipê)

segunda-feira, maio 22, 2006

Au-Au

Segue abaixo o texto que fiz pra o blog do meu amigo Au-Au, cujo link está aí ao lado. Entrem e metam o pau nos textos dele: são bons demais para serem de verdade. Será então tudo um embuste? deveras que não, as sombras nas paredes não nos enganam mais. Sem mais delongas, entrem lá, em uma palavra: os textos são "ducarai". Agora, o meu, uma pequena homenagem ao espírito Au-Au:




"Serão os deuses loucos brutamontes empertigados em bustos lustrosos? Ou apenas boêmios irremediáveis? Talvez tenham esquecido de tomar seus medicamentos, tenham deixado o gás ligado, as sandálias viradas, a cama desarrumada e a camisinha na farmácia. Enquanto isso, do outro lado do Styx, Cerberus faz um sonoro AU-AU.

Ao cão infernal de 3 cabeças, um AU-AU em homenagem a cada uma delas que sabem farejar um verdadeiro ostentador da honestidade dos espíritos amantes.

Um quarto sujo há dias, com cheiro de sexo e bebida. Um quarto escuro e 24 quadros por segundo. Um mundo nebuloso. O AU-AU ecoa em cada esquina, e em cada esquina loucas linhas.

Palavras alinhadas, prontas pra marchar e formar um texto. Não qualquer texto, não uma bosta formulaica, descrita em bulas. Do espírito da indústria farmacêutica já estamos cheios, a ponto de vomitar toda a podridão oportunista dos meros aproveitadores. Há de ser um texto cheio de espírito AU-AU, dos que fazem amor com a arte, e não apenas fodem com ela. Foder por foder eu deixo com as bonecas infláveis, com as putas, com os políticos e com os deuses.

Com prazer dionisíaco, eu esqueço os medicamentos. Eles obstruem o espírito AU-AU. Somente a cerveja e o cinema podem liberar a mente para tal espírito. Apenas Baco e os 24 quadros por segundo.

O AU-AU é o grito, o gemido, o suspiro do moribundo. É o peido da velha, o mais fedido e original."

Três corpos

Certo rapaz era bastante dado aos prazeres do vinho, às orgias, aos colos de mulheres cujos nomes se perderam nos redemoinhos da memória ressacada. Um verdadeiro adorador de Pan, de Baco, entregava-se ao suave vapor do vinho, ao amargo do lúpulo, em ambientes de bares enfumaçados, ao som de guitarras de blues, conduzia suas noites em odisséias alcoólicas, em guetos escuros e ruas iluminadas pelo neon, um Ulisses da madrugada, o dia lhe era temeroso, só lhe bastava a noite, apenas a lua, eterna testemunha das desventuras desse Dionísio.
Essa lua viu, certa noite, tão destemido rapaz cair no chão, numa noite chuvosa, em meio à lama, com a cabeça completamente anuviada dos vapores do vinho e da cerveja. O rapaz não sabia onde estava, nunca havia estado por ali. A chuva castigava a terra cruelmente, o céu parecia chorar como uma mãe chora pelo filho morto, num desespero capaz de cobrir o infinito com apenas um suspiro.
Já bastante bêbado, o rapaz, não reconhecendo o lugar onde estava, deixou-se ficar por ali mesmo, em meio à terra molhada de um lamaçal que lhe era estranho. Seu corpo se acomodou na lama. Estava estirado, deitado de costas, com os braços abertos, se sentindo estranhamente confortável junto aos vermes que imaginava estarem por lá. Imaginava vermes e seres microcosmicamente perversos, e imaginava estar no lugar que lhe pertencia, e que pertencia também a todos os homens.
Quando a chuva passou, adormeceu. Acordou em um quarto enorme, impecavelmente limpo, elegante, que anunciava uma opulência que chegava a oprimi-lo. Mas não foi a elegância do quarto, nem seu tamanho, nem sua riqueza que causaram um verdadeiro furacão em seus sentidos debilitados. Não. Nem foi o fato de ter acordado num quarto de uma mansão suntuosa, nem de parecer ter sido transportado para o passado, tamanho era o luxo dos móveis em sua antiguidade. Tudo isso era insignificante, meros detalhes depois que ele a viu. O furacão tinha nome de mulher: Isabel
Toda sua vida pareceu completamente vazia no momento em que pôs os olhos na criatura mais bela que já tinha visto: seus longos cabelos pretos desciam por suas costas como uma cascata de lisura incomparável. Seus olhos castanhos penetravam no âmago do rapaz. Seus traços pareciam desenhados pelo mais habilidoso artista. Seus lábios eram finos contornos numa face branca que evocava uma sensualidade gritante ao mesmo tempo em que se via uma virgindade visceral.
Saíra da lama para um quarto suntuoso, na presença de uma mulher tão bela quanto uma deusa grega. Não pensava em como isso poderia ter acontecido, apenas se deliciava na presença de Isabel. E só havia ela e seu avô morando na mansão.
E, inevitavelmente, os dois se amaram. Talvez não tenha sido amor, mas um desejo incontrolável dos corpos se encontrarem, num contato frenético. Numa das noites o velho surpreendeu os dois fazendo um sexo animalesco. Foi a última surpresa que teve na vida: os dois, como animais ensandecidos, mataram-no à pancadas, e banharam-se em seu sangue. Os dias e noites que seguiram viram o quarto se transformar num abrigo para um prazer quase infinito, num sexo incontrolável. O corpo do velho ainda estava lá, ensangüentado, mas os dois não conseguiam parar, não fizeram mais nada durante três dias e três noites. Os dois morreram juntos, num gigantesco gozo. O quarto era a última morada daqueles três corpos: na cama, o rapaz e Isabel, com os corpos colados, no chão, o corpo do velho, espancado e irreconhecível, numa poça de sangue coagulado.

domingo, maio 14, 2006

E Deus criou Brigitte Bardot...


Tomo emprestado o velho bordão: uma imagem vale mais do que mil palavras.

sexta-feira, maio 12, 2006

Numa cama de hospital

O velho moribundo, decrépito, canceroso e de rugas cinzas já estava naquela cama havia meses, agonizante, sentindo o sabor do plástico dos tubos ao seu redor. Só via um teto branco, que logo havia se tornado familiar, e enfermeiras passando atarefadas, em intocáveis uniformes brancos, e médicos empertigados em suas roupas igualmente brancas. Tudo lhe lembrava do vazio de estar deitado ali, toda aquela brancura lhe causava náuseas, verdadeiro horror a toda aquela insuperável pureza.
Só ouvia o constante bip da máquina ao lado, os gritos de dor e horror que ecoavam quase todas as noites, impedindo-o de dormir tranqüilamente, o gemido de outros moribundos, os passos de sapatos, o murmurinho da conversa das enfermeiras. Sons que lhe causavam repugnância. Tudo ali lhe era insuportável. Tudo lhe era distante, não pertencia àquele lugar. Então, mergulhava em devaneios diurnos, que se transformavam em pesadelos durante a noite.
Devaneios do passado. Sua mente mergulhava numa letargia, seus olhos vitrificavam, encarando o teto, enquanto seus pensamentos viajavam, abrindo o véu do passado. Via-se então há 60 anos atrás, numa orgia monstruosa, numa dança erótica e profana, regada a vinhos baratos, uísque ruim, cerveja quente, e talvez nenhuma camisinha. Essa lembrança era uma das mais freqüentes.
Mas havia outras. Lembrava das manhãs, a hora mais temida do dia, a hora em que nada fazia sentido, a hora em que a vida parecia pequena demais. Ele odiava o despertar. Sempre a cabeça pesada da bebida da noite passada. E acordava para mais um dia de cerveja, roupas sujas, conversas com outros poetas e escritores, digressões sobre bebida, mulher, cavalos e às vezes poesia. As tardes eram todas iguais, a hora de sentar e escrever algo, em seu apartamento solitário. Às vezes uma visita. E a noite, dessa graciosa e bela companheira ele lembrava bem, cada uma era diferente, cada orgia, cada bebedeira, cada bar, cada briga, tudo que se referia à noite lhe vinha com detalhes, e os lembrava com prazer.
Era acordado de seus devaneios pela enfermeira gorda, na hora do banho e da comida. Essas eram as horas mais lentas, mais melancólicas, onde ele se dava conta do presente, onde este o atingia como um elefante. Não falava com ninguém, não respondia a ninguém, e ninguém o visitava.
Nessas horas de consciência, seu ímpeto era de correr e se jogar pela janela. Mas não havia forças. Então se punha a imaginar que tipo de vida teria levado cada um de seus vizinhos de cama, que amores poderiam ter tido, que dissabores, que amarguras? E o velho mais uma vez entrava numa viagem mental. Dessa vez visitando vidas que não tinha vivido.
E passava os dias naquela cama, completamente alheio ao mundo, o mundo completamente alheio a ele. Seu médico lhe era indiferente, e a enfermeira gorda não lhe excitava, aliás, já não se excitava há tempos...
Eis que numa noite especialmente fria, uma garrafa de uísque e uma carteira de cigarro apareceram ao lado de sua cama. O velho ganhou novas forças. Passou a noite bebendo e fumando. No fim passou mal, como nunca havia passado. Os médicos correram pra lhe socorrer, mas já era tarde, a vida do velho se esvaía. Então, ele se agarrou ao médico num impulso de forças finais, tossiu e vomitou toda a bebida em sua cara, e disse suas primeiras palavras em meses, e as últimas de sua vida: “te fode”.

quinta-feira, maio 11, 2006

Primavera, Verão, Outono, Inverno...E Primavera





Primavera, Verão, Outono, Inverno...E Primavera (Bom Yeoreum Gaeul Gyeoul geurigo Bom, Dirigido por Kim Ki-duk, 2003)

Uma casa flutuante no meio de um lago (ambiente), um monge velho (sabedoria) e um criança (ignorância). Este é o cenário do filme, que se inicia com a abertura de portões, simbolizando o início da jornada do homem.

O própio título do filme nos remete à idéia de ciclo: o ciclo da natureza em paralelo ao ciclo da vida de um homem. Cada estação traz uma fase da vida do personagem, que persiste em erros, mas erros tais que advém da própria natureza humana, em contrapartida a retidão moral e espiritual que o monge tenta impor a seu jovem pupilo. E apesar das forças exteriores, das lições do experiente monge, a natureza insiste em seguir seu curso: o jovem é atraído por uma moça doente que estava lá para se curar. E aqui não se fala em amor, mas em desejo carnal, e do desejo nasce a luxúria, e desta a posse, causa de sofrimentos segundo o budismo.

Percebe-se no filme uma simbologia da evolução moral do homem, do desapego das coisas que prega o budismo, o ser buscando completa integração, seja com ele mesmo, seja com o ambiente ao seu redor.

quarta-feira, maio 10, 2006

Uma vida iluminada


Uma Vida Iluminada (Liev Shreiber)****

Dirigido por Liev Shreiber, Uma vida Iluminada é um filme divertido, um road movie com uma bela fotografia de cores marcantes e fortes, e uma história de choque cultural hilariante. Pena que no terceiro ato o filme abandone o caráter cômico e apele para o melodrama, o que o enfraquece um pouco. Mas ainda assim é uma experiência válida. É bem dirigido, com uma câmera bastante segura e enquadramentos bem feitos.

O dia seguinte


A perfeição do expressionismo

Duas vezes Ozu

Também fomos felizes (Bakushu, 1952)


Bom Dia (Ohayo, 1959)



Uma coisa que me impressiona (entre outras coisas) nos únicos dois filmes de Yasujiro Ozu que vi até agora (Bom dia e Também fomos felizes) é sua disciplina estética, sua rigorosidade formal, uma rigidez que ecoa a própria sociedade japonesa: vários planos fixos, pouquíssimos travellings, câmera quase sempre na altura média, enquandramentos bem planejados. Os dois filmes são bastante prazerosos de se ver, principalmente Bom Dia, que mostra a família da classe média japonesa de maneira lúdica. Preciso ver mais filmes desse mestre urgente.

terça-feira, maio 09, 2006

Lápide para um coveiro




Era um coveiro de um cemitério qualquer, passava a maior parte do tempo lá, vivendo entre os mortos. Rosto pálido, corpo esquelético, era ser essencialmente noturno, há anos não sentia o calor do contato humano, apenas a doce quentura do uísque barato descendo garganta abaixo, todas as noites, entre as eternas moradas de ossadas e sonhos que há muito se foram.
Não reclamava da vida, muito menos da morte. Durante o dia, passava a maior parte do tempo no cemitério, fazendo seu trabalho, e durante a noite, bebendo junto aos mortos, sua melhor companhia. Na verdade, ele adorava os mortos, adorava seu trabalho, cada monte de terra que jogava em cima de um caixão lhe trazia verdadeiro orgasmo, sentia-se completamente vivo desempenhando sua funesta função.
Apesar da companhia dos mortos e do uísque barato, ainda sentia falta do sexo. Porém, não se excitava com nenhuma mulher, e muito menos com nenhum homem. Tentara prostitutas, mas essas lhe causaram imensa aversão. E assim, ele foi ficando cada vez mais amargo e sinistro.
E numa noite de lua cheia, bebia seu uísque no cemitério, ainda havia um corpo a ser enterrado na vala comum, num lençol barato. Era o corpo de uma puta que morrera sem dinheiro para comprar o caixão. E o coveiro se embriagava e se preparava para o último trabalho daquele dia.
Ao pegar o corpo, sentiu as formas curvilíneas da mulher. Era uma noite particularmente bela, bastante propícia para um romance, pensou o solitáro homem, se excitando com todo aquele ambiente, principalmente com o corpo que carregava.
Depôs o corpo sobre uma lápide, e o desnudou. Beijou-o, e sentiu sua pele fria, ainda suave, ainda com um leve cheiro perfumado. Beijou cada parte do corpo morto, deslizou suas mãos por suas pernas, barriga, seios e bunda, demourou-se chupando o dedão do pé e a orelha. Enfim a possuiu, sob uma lua cheia, sob imensas árvores de troncos nodosos, sobre uma lápide gelada de um ladrão morto, num arroubo de prazer que jamais havia sentido.
Ele estava extasiado e adormeceu. A mulher se levantou, vestiu-se calmamente, observando o coveiro adomercido, com um leve sorriso nos lábios, e por fim caminhou para fora do cemitério, sumindo para nunca mais voltar. Na manhã seguinte, ele acordou ainda na lápide, sentindo a pior ressaca de sua vida.

segunda-feira, maio 08, 2006

I need you so much closer


Melodia de uma manhã chuvosa e solitária; crepúsculo de um lento domingo; pianos que ecoam no pensamento, e uma voz aveludada que embala o sono; desejo intenso; melancolia de um luar sobre as ondas de uma praia abandonada.
Ouçam esse disco, e derretam-se por Death Cab for Cutie.

Barraco


O barraco não sente o barro do tijolo, apenas o barro que faz a taipa. Um tijolo é abandonado na calçada da desesperança, quebra-se o barro, volta-se à terra, nasce o tronco, da madeira a mesa, cheia de agonias sufocantes, o pão mofado, podre, a sala escura na noite do inverno e o odor acre do rio moribundo, atolado nos dejetos e desejos naufragados. De volta à sala, cortina entre cozinha e quarto, o pó da taipa e da palha, a náusea do pó, ao pó finalmente voltar.
Um cômodo, feito dois, cinco a viver, corpos magros, a cidade os consome, prédios que arranham o céu, mas cortam profundamente o que está abaixo. Colossos modernos subjugam o ser de taipa, sempre a beber da podridão de um leito intragável até às vistas, enquanto aqueles se banham em mares azuis, vêem os biquínis, iates, a glória venenosa de uma manhã igual a anterior.
O rio sujo, a amoralidade cheirando a esgoto e doença, balas que voam, sem saber o porquê, encontram um corpo para se alojar, o sopro se esvai, o corpo não agüenta, um corpo negro, o sangue vermelho jorra na taipa, marcando a parede do barraco de um cômodo. Entre quatro paredes de taipa cinco habitavam, o sangue que escorre anuncia a matemática sombria, a subtração. A sala escura e fria, tudo igual, como tudo deve ser. O rio podre, podre como deve ser, não se compadece, morre, mata, e lava o sangue.
O choro da família decepada não tem a mesma força do rio, não lava o sangue, não lava a taipa suja. O solo acolhe o corpo deformado, a bala já está tranqüila, a terra recebe seu divino presente, carne e ossos de 16 anos, esperança de vermes. O barraco, como tantos outros iguais a ele, derrotado pelos colossos, continua o mesmo, sujo, empoeirado, frio, a banhar-se em águas pesadas, melancólicas, não se altera ante a presença da senhora de preto e cajado na mão, o alívio do desespero modorrento dos que trafegam pelo rio, dos que se abrigam sob seu teto de palha.
O algoz tranqüilo desce a rua, para longe daquele barraco, em direção a outro, impassível como aquele. O barraco ensangüentado aumenta de tamanho, a sala escura aumenta, sem se iluminar, sem confortar os quatro corpos que abriga, quatro desesperanças que afundam, mas nunca alcançam o fundo, sempre a serem pisadas pelos arranha-céus.
A morte não abala o barraco, mas o sangue quente e jovem o batiza, o sangue que é lavado pelas águas podres do rio, seu eterno companheiro sob um céu límpido, arrasta consigo algo intangível, escondido aos olhares curiosos. Antes, um garoto procurava o barraco para abrigar-se da chuva, que entrava pela palha por goteiras, mas era o suficiente para o corpo magro, corpo que jaz inerte, sem vida, toda a esperança abandonada. Agora, o barraco não o terá sob suas paredes de taipa, nem sua janela, sua única janela, o mostrará a esperança do pôr do sol, o anúncio que o dia fica para trás e um novo chegará em breve, que poderá ser diferente.
E mais uma manhã se descortina. Os vermes já fazem seu mórbido labor, a terra recebe a morte, a transforma em vida, dá vida ao tronco, traz a madeira, ergue mais um barraco, entre milhares, que se multiplicam, ao leito morto do rio. O barraco batizado pelo sangue culpado não é o único. Outros se juntam a ele na eterna dança entre a vida e a morte, e assistem a divina comédia humana de camarote, no morro das aflições contínuas.
Mal serve de abrigo, mas abriga, precariamente, os corpos obrigados a viver sob um céu arranhado, sobre um solo imundo, na decadência da mínima razão, ao arredio da dignidade.

E o barraco continua, sempre lá, junto às angústias de seus habitantes, do rio sufocante, dos que ainda vivem, dos que sobrevivem, dos que morrem, dos que são mortos. O barraco se transforma com o sangue que escorreu de sua parede, mas continua o mesmo a abrigar corpos que mal cabem em seu interior, a abrigar a miséria de vidas que não chegam em lugar algum, sufocadas pela própria existência no barraco, pela própria existência do barraco, causa e conseqüência dos desejos frustrados, dos sonhos malogrados.
Transforma-se então em símbolo a ser odiado e amado. E, na eterna dança, o barraco se equilibra, e seus quatro habitantes levantam-se para mais um dia de expectativas frustradas, à cata do lixo que é seu luxo, sem luto, mas com pesar, enquanto o barraco continuará lá, sem desejos ou esperanças, um expectador passivo da demência ao seu redor.