Certo rapaz era bastante dado aos prazeres do vinho, às orgias, aos colos de mulheres cujos nomes se perderam nos redemoinhos da memória ressacada. Um verdadeiro adorador de Pan, de Baco, entregava-se ao suave vapor do vinho, ao amargo do lúpulo, em ambientes de bares enfumaçados, ao som de guitarras de blues, conduzia suas noites em odisséias alcoólicas, em guetos escuros e ruas iluminadas pelo neon, um Ulisses da madrugada, o dia lhe era temeroso, só lhe bastava a noite, apenas a lua, eterna testemunha das desventuras desse Dionísio.
Essa lua viu, certa noite, tão destemido rapaz cair no chão, numa noite chuvosa, em meio à lama, com a cabeça completamente anuviada dos vapores do vinho e da cerveja. O rapaz não sabia onde estava, nunca havia estado por ali. A chuva castigava a terra cruelmente, o céu parecia chorar como uma mãe chora pelo filho morto, num desespero capaz de cobrir o infinito com apenas um suspiro.
Já bastante bêbado, o rapaz, não reconhecendo o lugar onde estava, deixou-se ficar por ali mesmo, em meio à terra molhada de um lamaçal que lhe era estranho. Seu corpo se acomodou na lama. Estava estirado, deitado de costas, com os braços abertos, se sentindo estranhamente confortável junto aos vermes que imaginava estarem por lá. Imaginava vermes e seres microcosmicamente perversos, e imaginava estar no lugar que lhe pertencia, e que pertencia também a todos os homens.
Quando a chuva passou, adormeceu. Acordou em um quarto enorme, impecavelmente limpo, elegante, que anunciava uma opulência que chegava a oprimi-lo. Mas não foi a elegância do quarto, nem seu tamanho, nem sua riqueza que causaram um verdadeiro furacão em seus sentidos debilitados. Não. Nem foi o fato de ter acordado num quarto de uma mansão suntuosa, nem de parecer ter sido transportado para o passado, tamanho era o luxo dos móveis em sua antiguidade. Tudo isso era insignificante, meros detalhes depois que ele a viu. O furacão tinha nome de mulher: Isabel
Toda sua vida pareceu completamente vazia no momento em que pôs os olhos na criatura mais bela que já tinha visto: seus longos cabelos pretos desciam por suas costas como uma cascata de lisura incomparável. Seus olhos castanhos penetravam no âmago do rapaz. Seus traços pareciam desenhados pelo mais habilidoso artista. Seus lábios eram finos contornos numa face branca que evocava uma sensualidade gritante ao mesmo tempo em que se via uma virgindade visceral.
Saíra da lama para um quarto suntuoso, na presença de uma mulher tão bela quanto uma deusa grega. Não pensava em como isso poderia ter acontecido, apenas se deliciava na presença de Isabel. E só havia ela e seu avô morando na mansão.
E, inevitavelmente, os dois se amaram. Talvez não tenha sido amor, mas um desejo incontrolável dos corpos se encontrarem, num contato frenético. Numa das noites o velho surpreendeu os dois fazendo um sexo animalesco. Foi a última surpresa que teve na vida: os dois, como animais ensandecidos, mataram-no à pancadas, e banharam-se em seu sangue. Os dias e noites que seguiram viram o quarto se transformar num abrigo para um prazer quase infinito, num sexo incontrolável. O corpo do velho ainda estava lá, ensangüentado, mas os dois não conseguiam parar, não fizeram mais nada durante três dias e três noites. Os dois morreram juntos, num gigantesco gozo. O quarto era a última morada daqueles três corpos: na cama, o rapaz e Isabel, com os corpos colados, no chão, o corpo do velho, espancado e irreconhecível, numa poça de sangue coagulado.
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