terça-feira, maio 09, 2006

Lápide para um coveiro




Era um coveiro de um cemitério qualquer, passava a maior parte do tempo lá, vivendo entre os mortos. Rosto pálido, corpo esquelético, era ser essencialmente noturno, há anos não sentia o calor do contato humano, apenas a doce quentura do uísque barato descendo garganta abaixo, todas as noites, entre as eternas moradas de ossadas e sonhos que há muito se foram.
Não reclamava da vida, muito menos da morte. Durante o dia, passava a maior parte do tempo no cemitério, fazendo seu trabalho, e durante a noite, bebendo junto aos mortos, sua melhor companhia. Na verdade, ele adorava os mortos, adorava seu trabalho, cada monte de terra que jogava em cima de um caixão lhe trazia verdadeiro orgasmo, sentia-se completamente vivo desempenhando sua funesta função.
Apesar da companhia dos mortos e do uísque barato, ainda sentia falta do sexo. Porém, não se excitava com nenhuma mulher, e muito menos com nenhum homem. Tentara prostitutas, mas essas lhe causaram imensa aversão. E assim, ele foi ficando cada vez mais amargo e sinistro.
E numa noite de lua cheia, bebia seu uísque no cemitério, ainda havia um corpo a ser enterrado na vala comum, num lençol barato. Era o corpo de uma puta que morrera sem dinheiro para comprar o caixão. E o coveiro se embriagava e se preparava para o último trabalho daquele dia.
Ao pegar o corpo, sentiu as formas curvilíneas da mulher. Era uma noite particularmente bela, bastante propícia para um romance, pensou o solitáro homem, se excitando com todo aquele ambiente, principalmente com o corpo que carregava.
Depôs o corpo sobre uma lápide, e o desnudou. Beijou-o, e sentiu sua pele fria, ainda suave, ainda com um leve cheiro perfumado. Beijou cada parte do corpo morto, deslizou suas mãos por suas pernas, barriga, seios e bunda, demourou-se chupando o dedão do pé e a orelha. Enfim a possuiu, sob uma lua cheia, sob imensas árvores de troncos nodosos, sobre uma lápide gelada de um ladrão morto, num arroubo de prazer que jamais havia sentido.
Ele estava extasiado e adormeceu. A mulher se levantou, vestiu-se calmamente, observando o coveiro adomercido, com um leve sorriso nos lábios, e por fim caminhou para fora do cemitério, sumindo para nunca mais voltar. Na manhã seguinte, ele acordou ainda na lápide, sentindo a pior ressaca de sua vida.

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