(escrito em parceria com Au-Au)
Um cobrador e um motorista me fazem companhia no caminho de volta pra casa. Enquanto me sento no último banco do ônibus, observo os gigantes de concreto que passam pela janela, como se fosse um filme, e, numa embriaguez sem ter bebido imagino as vidas como a minha, dos pedestres que se aglomeram como formigas em cada cruzamento. Meu primeiro dia de trabalho foi como esperado: nauseante, monótono e desgastante. As pessoas me pareceram todas iguais, sentadas em suas mesas padronizadas em seus computadores brancos, sem máculas. Terei que fazer companhia diariamente ao meu computador IBM até enveredar no mundo das ilusões... o único mundo verdadeiramente real. Aquele que amo, e desprezo e deturpo. O ônibus continua seu sacolejar, agora mais lotado... Não suporto me envenenar com seres da mesma espécie; todos iguais, todos atarefados, todos cheios de si, e sem idéias perigosas na cabeça. Um minuto a mais nesse ônibus, vomitaria... mas chego a minha parada. Que diferença faria? (sinceramente gostaria de expulsar esse demônio em forma de interrogação do meu traseiro). Meu velho cachorrinho Billy me abraça ao seu jeito desengonçado, verdadeiramente feliz por ter chegado em casa. Num afago desesperado, lhe retribuo o carinho. A loucura deve ter batido em minha porta... agora vejo o sacrifício dos meus pais por novos ângulos de... monotonia. Entro, tiro a roupa e me masturbo pensando na modelo gostosa do outdoor, que nunca vou conhecer. Orgasmo...entro num torpor vazio, sentado na privada. O telefone me lembra que ainda estou vivo. Atendo-o e reconheço a voz disfarçada de mamãe. Digo-lhe que está tudo bem, o que mais poderia dizer? O mesmo de sempre; a mesma conversa. Nada de novo no front. Palavras sem sentido, rasas, de vida curta, que morrem assim que são ditas. Sim, para renascerem no outro dia, e morrerem, deixando apenas o aparelho. Desligo-me na escuridão da sala de estar. Sua voz continua a incendiar a minha mente com aquele tom resignado de despedida, que jurei esquecer a mim mesmo. Mas que já no outro dia, e desde sempre, me lembrarei penosamente. Vou até o sofá calvo que estende docemente seu braço espumoso ao gancho do telefone. Desvio meu olhar e, por algum motivo, começo a chorar catarticamente. Tenho que sair dali, senão enlouqueço de vez. Dou uma mijada e me vou agora pra cozinha desse labirinto claustrofóbico. Meu jantar requentado me traz paz por sua exatidão simples. Resolvo voltar pra sala de estar, e ligo a tevê. A mesma bosta sem cheiro de sempre, as mesmas pessoas... no trabalho, no ônibus, no TELEFONE, na tv, me perseguem incansavelmente... caralho! O que posso querer ver? Nada seria o mais sábio, mas a escuridão me consumirá completamente sem os raios catódicos da tv. Começo a apertar os botões do controle remoto, tentando encontrar algo prazeroso. È inútil, nem um programa sequer sobre golfinhos ou cachorros molhados, apenas pessoas fingindo serem quem não são. O silêncio passa bem próximo da minha janela entreaberta, o mundo poderia acabar nesse momento. Morreria feliz com um último gesto gentil da natureza. Que se foda! Inferno ou Céu, qualquer coisa pode ser mais suave do que isso. E também mais propício à liberdade. Ainda penso na modelo. Se fosse rico, ela seria capaz de morrer por mim? Ou, até mesmo, eu em sua boca? Bem, a brincadeira chega ao seu precoce fim; a projeção de um filme ruim em andamento num canal em má sintonia me teleguia pra cama. Fixo o meu olhar para o teto enquanto as horas deslizam sorrateiramente lá fora... Homens se empurram maquinalmente em busca de um orgulho que os ceifará, e ainda sorrirão pra tolos como eu... Não obstante, o sol surgirá novamente banhado pelo sangue dos imolados (esses frescos) da vida industrializada, na pós-modernidade de torres de metais... trazendo sentimentos paumolescentes para esse quarto vazio de sonhos. Mas é hora de dormir, e acordar para os mesmos computadores, ônibus, pessoas, prédios e outdoors, num ciclo que talvez nunca termine. Sejamos felizes, amém.
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