terça-feira, maio 29, 2007

El Clown

O acordar, essa hora tão frustrante. Os sonhos desvanecem em meio a uma realidade cinzenta, na meia luz matutina do quarto do palhaço com cheiro de álcool. A frustração opressora assombra El Clown (como gosta de ser chamado) na manhã, a hora mais difícil de seu dia. Levanta com a cabeça pesada, xingando tudo e todos, com a vista ainda anuviada do sono, tateando as paredes, com suas luvas de pano ainda em mãos, a pintura ainda no rosto, em roupas coloridas, que ecoam uma alegria fugaz, e sempre o fazem relembrar dos sorrisos pueris, aqueles belos sorrisos, pelos quais anseia incessantemente, em busca da redenção, que nunca chega.

Os sorrisos sempre o perseguem. A irônica relação d’El Clown com os sorrisos poderia doer em corações mais sensíveis, que viessem a conhecê-lo, mas El Clown mal conhece alguém, quanto mais alguém mais sensível. Algumas prostituas que o tempo já desgastou, tanto fisicamente, quanto moralmente. Um ou outro morador de rua, que passa os dias a bater carteiras alheias, de incautos passantes. Ninguém se dói pelo Clown, pelo seus pesadelos noturnos, e desejos diurnos de sorrisos melosos, pequenos sorrisinhos perfeitos, brancos e inocentes. Os sorrisos que todas as noites El Clown se esforça ao máximo para arrancar. As palhaçadas humilhantes. Sempre chega em casa extasiado, mas não adormece com facilidade. E todas as noites seus sonhos desandam em pesadelos terríveis, em que os sorrisinhos pueris se transformam gargalhadas do mais puro escárnio, da mais baixa humilhação, para, logo após, se transformarem em dentes afiados de lobos carniceiros, que arrancam sua carne com mordidas furiosas.

El Clown não consegue fugir. Os sonhos e os pesadelos sempre o alcançam. E a manhã também, sempre tão frustrante, o difícil despertar, em que o peso da vida o quer manter preso a sua cama. El Clown acorda todos os dias, para seu grande desespero. Acorda sempre ansiando os sorrisos que o perseguiram durante o sono. Nessa ânsia, sempre aceita novos trabalhos para animar festinhas infantis. Apesar de tudo, é um palhaço competente, e as crianças o adoram.

Mal consegue chegar até o banheiro. No espelho, o rosto pintado. Tenta tirar a máscara que tanto odeia, mas que precisa para alcançar os risos necessários ao seu desespero. El Clown, apesar de tentar todas as manhãs, nunca consegue tirar a máscara, que ressoa a uma falsa alegria, com um sorriso pintado há tanto tempo que já nem lembra mais. A máscara é seu próprio rosto, que mente para todos, e quer enganar até a ele próprio. A tinta seca em sua pele já se tornou a própria pele. Não existe mais o homem por trás da máscara, apenas El Clown e seu sorriso falso. O homem quer derramar seu pranto, mas El Clown quer apenas dar sua gloriosa cagada matutina.

Seu apartamento é minúsculo, mal cabe outra pessoa. Mas nunca há outra pessoa, só nas segundas, quando divide sua cama com uma puta velha e mal cheirosa. O sexo é um tanto atabalhoado e desconexo. El Clown não nasceu para o sexo, disso ele tem certeza, mas nunca deixa de fazê-lo nas segundas. A companhia não dura até a manhã seguinte, e El Clown acorda sempre só, e o acordar, tão frustrante, tão pesaroso, açoita o palhaço diariamente, assim como os beijos da noite anterior, beijos de açoite.

O espelho o assombra. Ele sempre pensa em despedaçá-lo, mas sempre, no último segundo, não consegue quebrar os reflexos dele próprio, estará sempre preso atrás da máscara, atrás do sorriso vermelho, tão perfeitamente pintado, simétrico, artístico, evocando uma melancolia tão profunda. As crianças, é claro, não percebem esse desespero pungente naquele sorriso de tintas secas, apenas a alegria do momento, a alegria triunfal de festinhas infantis, nas quais os adultos bebem, as crianças correm, suam, pulam, riem, riem, e riem, e o palhaço se regozija, ao menos uma vez ao dia.

O seu dia começa após o expurgo matinal. O desespero pungente do acordar aos poucos vai dando lugar a uma leve tristeza, que vem do âmago do homem que um dia foi, e vai crescendo em pontadas de dor aguda em seu estômago e pulmões. Para El Clown, o homem que quer vir à tona não tem a força necessária para tanto, não tem a força para vencer as tintas de seu rosto. E o subjuga facilmente, como faz todos os dias.

Tirando as segundas, há apenas seu cacto. Após subjugar o homem que luta por trás da máscara – com força cada vez mais minguada – El Clown aprecia seu cacto, uma planta com a qual divide o seu desespero, e sua decrépita solidão. Aprecia, acima de tudo, os espinhos. Deixa-o sob o sol do meio dia, para se deliciar sob a quentura escaldante. Enquanto isso, o palhaço abre uma cerveja, e aprecia os espinhos.

Após o espetáculo dos espinhos, EL Clown desce para a rua, onde já nem causa mais impacto, por ainda estar de máscara, e com roupas coloridas, em meio a uma rua imunda, de prédios pela metade, com os tijolos nus. No bar da esquina, após o almoço, senta num canto qualquer. E bebe. Observa os outros com desdém, porque a essa hora do dia a frustração dos sonhos se esvai em goladas de cerveja, e sobra apenas a sensação de liberdade propiciada pela mascara. Os outros não são livres, pensa o palhaço.

Depois de gastar quase todo o dinheiro que recebe na festa do anterior, a embriaguez doce o alcança, e ele se prepara para mais uma festa, para mais um clímax. Todos os dias dá seu espetáculo em festas diferentes, para crianças diferentes. Na falta de festas, a rua é seu palco. Mas nesses dias, ao chegar em casa, o desespero já se inicia antes de dormir, pois lhe faltaram os sorrisos pueris, os únicos que o acalentam.

O maior espetáculo d’El Clown começou como um dia qualquer. Ao apreciar seu cacto, notou um espinho que havia crescido mais que os demais. Ao invés de abrir uma cerveja, abriu a garrafa de uísque a muito guardada para uma ocasião especial. Tomou-a quase que de um gole só. Bebeu mais ainda no bar. E na festa desta noite, daria seu maior espetáculo, o mais memorável de todos que já deu.

Começou como todos os outros, com as pequenas mágicas. Errava todas, cambaleante, trôpego. Os risos eram mais fortes, os mais potentes que jamais vira. Antes de meia hora de festa, já estava completamente em êxtase. Colocou um cd da Xuxa. Dançava o Ilariê, com as crianças pulando ao seu redor. Era quase um delírio para El Clown. Ele sabia que aquele espinho que havia crescido demais só podia significar um presságio. Completamente embriagado, o palhaço dançava, e pulava, e cantava, e rodopiava.

Ila-ri-la-ri-ê, ô ô ô, no meio dos baixinhos, sem que ninguém visse, chegava a um orgasmo multicolorido, no clímax de sua vida. E, nesse exato momento, enrijecido de prazer secreto, caiu duro no chão, com o sorriso de sua boca maior que o sorriso de sua máscara.

Ila-ri-la-ri-ê, a turma da Xuxa vai dando seu alô. As crianças continuaram, rindo, pulando, cantando, dançando. Iam se lembrar para o resto de suas vidas como a melhor festa de suas infâncias, numa lembrança enevoada pelo tempo, apenas sorrisos, e um palhaço saltitante, um que tropeçou, caiu, e nunca mais se levantou, o que causou risos histéricos, e câimbras de tantas gargalhadas. A morte do palhaço em meio às crianças foi o maior espetáculo d’El Clown, o mais memorável que já fez.

2 comentários:

Felipe Medeiros disse...

BRULAPAPUM!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Halley S. disse...

eh um arrombado!