terça-feira, setembro 28, 2010

O Funcionário

Branco na cabeça. Tédio no trabalho. Marasmo. Burocracia emburrecedora. Papéis que voam, viram rascunhos em repartições públicas obscuras. Formulários a preencher, prazos a cumprir, o relógio sempre parado, segundos são eternidades. A cabeça às vezes pesa, os olhos querem fechar, mas não podem, o salário no fim do mês parece ser suficiente para suportar tudo isso? Os corredores são todos iguais, os elevadores apinhados de gente, com suas petições ao Poder, requerimentos de impostos mal cobrados, impostos indevidos, danos recebidos, quero meu dinheiro de volta. É um absurdo, isso não existe, queixas e mais queixas. Brigas e picuinhas. A impressora que nunca pára, a xérox sempre a copiar, as pessoas sempre a copiar. Nada se cria. Modelos devem ser seguidos, não há espaço para inovação. Seja igual aos outros. Seja igual, faça como diz as regas. Fonte 14. Espaço 1. Recuo tal, margem assim, verso assado. A parede branca e o relógio vermelho, um ponto escarlate sempre a nos jogar na cara que o tempo não anda se não há nada a fazer, e não pára se há prazos a vencer. Um calendário, vários calendários, imóveis, retratam os dias, as semanas, os anos. Passaremos todos os anos atrás de uma mesa? Em frente a um computador, digitando palavras a esmo, frases cheias de pompa, Excelentíssimo, Ilustríssimo, cordialmente, aproveitamos o ensejo para renovar nossa mais elevada estima e consideração, nesses termos pede deferimento? Sentado numa cadeira que gira, sempre parada em frente a uma tela formada por pixels. Uma cadeira que gira, eu giraria até ficar tonto, mas há limites, etiqueta, o caralho a quatro. Tontura? Só o passar vagaroso do tempo me deixa tonto. E os anos passarão? Passaremos mesmo por isso? Suportaremos realmente esse pesar constante, esses papéis que pesam uma tonelada? Deixaremos as horas passarem assim, tão vazias, tão sem significados que possam preencher ao menos um décimo de nossa cabeça animal? E, se de repente, formos apenas velhos demais para que o pau possa ao menos subir? De que terão valido toda a porra dos papéis? Terão por certo apodrecidos num arquivo qualquer, cheio de mofo, onde ninguém mais entra, e ninguém ao menos lembra. E a vida se arrasta, num paumolecente pesar, minando toda a criatividade, transformando qualquer faísca ao mínimo criativa em mais um burocrata de plantão, alimentando a enorme máquina estatal. E meus trinta e poucos anos? Que foram deles? Que serão dos que restam? Sabe de uma amigos, que somos de nós, atrás dessas montanhas impenetráveis de papéis? Autômatos idiotas, que já não pensam, apenas agem, digitam, carimbam, arquivam, sem ao menos ter tempo de cagar com um mínimo de dignidade.

Mas estou farto, assim como vocês deveriam estar. Rasgarei estes papéis todos, e com eles farei confeite para jogar no Carnaval. Eles cairão nas cabeças dos ébrios, daqueles que realmente vivem; um turbilhão de confetes que um dia foram palavras pomposas, no Carnaval serão apenas letras soltas, a alegrar os fantasiados, os que pintam o nariz, os realmente verdadeiros. Quebrarei os ponteiros do relógio, esses carrascos não mais me executarão, e os usarei para montar minha máscara do Carnaval. Jogarei bombas no impávido colosso, e colorirei as velhas paredes brancas. Soltarei macacos e cobras venenosas nessas velhas e anacrônicas repartições. Usarei os computadores para comprar litros e mais litros de cachaça pela Internet, e darei para todos os visitantes tomarem ao invés de receberem crachás de visitantes. Assim então, ao final da minha epopéia carnavalesca, hei de vencer o monstro burocrático, e, satisfeito da minha própria vitória, longe das correntes que um dia me prenderam naquelas repartições umas iguais as outras, dançarei bêbado e feliz mil danças uma diferente da outra.

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