sexta-feira, maio 02, 2008

Minhoquinha

O canto. O canto da parede. O canto da parede tem uma minhoquinha que às vezes gosta de entrar na minha cabeça, então eu vejo. Vejo o percevejo que viaja com a joaninha bordada no teu vestido cor de rosa e alvo. Alvo como o alvo branco do arco e flecha que um dia você me deu de presente. A flecha. A flecha do cesto. A flecha do cesto tinha uma minhoquinha, e esse branco todo só me lembra essa minhoquinha, tão bonitinha, tão cinza e fria.

E agora, ela mora ali no canto, e de vez em quando aparece. Me assusto, mas não muito, pois a minhoquinha sempre me mostra você. Lembro aquele dia, quando tudo não era tão branco como agora, e eu podia balançar os braços. Balançava e balançava, e como eu queria balançar agora. Se eu balanço, vão brigar. Briga com a brigada dos homens de branco. Branco que sempre me leva até você. Você e o bolo. Dia de bolo. A certeza de um dia bom, entre vários mais ou menos, e alguns horripilantes. O dia do presente foi bom. Eu lembro da joaninha e vejo o percevejo, e sinto o cheiro do teu perfume, que não é igual ao do percevejo, mas sim tão perfumado e colorido. Cores. Aqui tudo é branco.

O dia do presente teve bolo. Teve bolo e presente e arco e flecha, e alvo, alvo com listra azul vermelha e o centro branco, o centro do alvo era alvo. A minhoquinha não deve gostar de cores. Mas ela vem, e entra na cabeça. E tudo é tão branco, e eu nao posso balançar os braços. Balançar como naquele dia no balanço, o mesmo do presente. Esse dia foi bom. Será que foi o único bom? Não, houve outros com bolos. Eram mesmo bolos? Os dias eram bons, ou ruins? Agora me confundo.

Confundo a parede branca. Tudo branco. Branco e branco, dá mais branco. Os braços presos. A minhoquinha, de que cor é a minhoquinha? Cinza, mas não há cinza agora. A brigada também é branca, os cabelos, alguns são brancos, outro pretos, outros até mesmo loiros, e a minhoquinha. No canto da parede. Calma, a joaninha quer voar. Acho que ela se vai. Ela, o seu vestido, a flecha, seu perfume, o bolo. Você se vai agora. Volta. Por favor, não vai, não quero. Lembro um pouco mais agora.

Tudo branco ao meu redor. As imagens, essas imagens parecem fugir. Viram imagens de lembrança. Volta, joaninha, volta vestido cor de rosa. O dia do presente foi bom. Eu lembrava até pouco tempo que tinha sido bom. Só houve esse dia bom? Os dias agora, todos eles, parecem horripilantes. Até o do presente. A razão quer voltar, enfrentar o branco, as paredes brancas. Ahhh! Os efeitos passam, as lembranças não são mais imagens lívidas. A porta. Tenho que sair. Os braços presos. Na boca o gosto amargo, o amargo da minhoquinha.

Minhoquinha? hã? Não. Agora tudo fica mais claro. A consciência volta. O dia do presente vem com um soco no estômago. O dia que me trouxe até aqui. A flecha voando. Oh sim, voando pra o seu peito, transformando o vestido cor de rosa e branco em um vermelho profundo. E sua cara de terror. Oh Deus. Claro. Fui eu, tão real. Fugir, sim, fugir desse quarto. Todos devem dormir agora. Lógico. Não adianta tentar fugir, a porta se abre e a brigada entra. Três. Três e aquela agulha enorme. Mais uma vez, a agulha entra, aquele metal cinza e frio.

E volta tudo outra vez.

Venus In Furs

Sensualmente psicodélica ou psicodelicamente sensual?

quinta-feira, maio 01, 2008

Minha camiseta dos 15 anos

Ouço as distorções da guitarra

E penso e tento lembrar

Mas é sempre essa dor

Não saber de ti, nem saber de mim

Eu que me perco nesses meandros marginais

De curvas na estrada de asfalto quente

Sob esses céus de nuvens performáticas

Leves e alteradas

Alterado

Eu

Estou

Sem saber de mim, nem saber de ti

Para mim, tudo igual

Por isso me perco nas veredas subconscientes

Do meu cérebro estampado

Na camiseta rock n roll

Preta, só preta

Nada de mim, nem de ti

E tu assim, sempre sem saber de mim

O que sou quem sou

O porquê exatamente

Das paixões com dor

E se perder assim completamente

Sem paixão, só torpor

Torpor e nuvens e caminhos

Labirintos mentais, becos sem saída

Becos perdidos

Na labirintite aguda do meu cerebelo

Ainda sem saber de mim, e nem de ti

Nem outdoors nem pequenos panfletos

Para me dizer pra onde ir

Neste delírio mental

Corvos

Cravos

Crânio

Eu crucificado

Numa camiseta rock n roll

Dos meus 15 anos

Desde então

Sem nunca saber de mim

segunda-feira, março 24, 2008

Apenas mais uma de amor (ou Tanto tempo depois, um copo de uísque e uma memória)

A noite não é de lua cheia, nem nova, é uma lua daquelas, só a metade. E eu. E meu uísque com bastante gelo. E uma memória, uma memória de você, já em algum lugar que nem sei qual é; só sei que esta nunca chegará a você, e provavelmente será queimada quando o sol chegar. Mas basta, tente não ficar tão sentimental, falo comigo mesmo é lógico. Mas você lembra a primeira vez em que beijei seus lábios? Se o uísque aqui não me engana, era uma abafada noite de verão particularmente quente, daquelas em que o clima parece oprimir toda vontade de dançar loucamente em cima de uma mesa de bar, entretanto parece ser propícia a corpos suados e beijos molhados. Então, a noite não era uma ditadora cruel, nem uma anarquista sem sentido, era algo no meio termo, se é que isso existe. Uma noite sem nuvens, mas nem por isso as estrelas se atreviam a aparecer: estavam há muito sufocadas pelo artificialismo caótico urbano de concreto, asfalto, muito a fazer e pouco a dizer. Será que você lembra daquela noite de verão? Eu me pergunto, e nem sei o porquê, tanto tempo depois, eu e meu copo de uísque e essa memória que não foge, gruda, me sacode, arranha, cospe, desaparece um tempo, só pra surgir tanto tempo depois de novo, quando a noite esquenta mais que o normal, e todo o resto da cidade continua sempre igual. Deixe-me evocar aqui então, pra ver se ela se vai de vez: noite quente verão seus lábios convidativos meu suor seu suor e uma música no salão. Caetano, Chico, ou até mesmo Baker, mas esse detalhe parece ter se perdido há muito tempo, esse não me castiga, os sentidos estavam muito mais voltados ao tato, olfato, visão e paladar; não falávamos, não naquela noite, ali bastavam os corpos. Talvez a música houvesse contribuído, é verdade. Mas não é o quadro que dói mais, e aí, já ficou pra trás. Não importa, Baker toca pra mim hoje, e isso basta, por ora pelo menos. Espere um momento.....pronto, um gole no uísque, e é só aumentar a música, pra não pensar em tantas coisas mais, sentar aqui na cadeira novamente, fechar os olhos...mas que diabos isso importa numa carta? Agora já está escrito, e não vou riscar, e se esta chegar até você, nessa altura você estará lembrando o quão displicente eu sou, provavelmente reclamando da minha falta de foco com tudo. Talvez eu apenas esteja sendo pessimista. É essa lua meu bem, é essa lua pela metade! Já não sei o propósito dessas linhas, o papel já está todo molhado mesmo, e eu já nem choro mais por você ter me abandonado no táxi pra nunca mais aparecer. Ou fui eu quem saiu do táxi e deixei você lá? Em todo caso, não nos deixemos atormentar por essas memórias. Por isso meu bem, você nunca lerá esta mal escrita carta fracassada de amor (amor fracassado??). As memórias, desta vez, com o sol, vão com junto com este pedaço velho de papel: tornar-se-ão cinzas...

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Tranqüilidade da Alma


"Pois o cético, tendo começado a filosofar com o objeto de decidir acerca da verdade ou falsidade das impressões sensíveis de modo a alcançar com isso a tranqüilidade, encontrou-se diante da eqüipolência nas controvérsias, e sem poder decidir sobre isto, adotou a suspensão, e, em conseqüência da suspensão seguiu-se, como que fortuitamente, a tranqüilidade em relação às questões de opinião. Pois aqueles que mantêm uma opinião sobre se algo é por natureza bom ou mau estão sempre perturbados. Quando se encontram privados daquilo que consideram bom, sentem-se afligidos por algo naturalmente mau e passam a buscar aquilo que pensam ser bom. E ao obter isso sentem-se ainda mais perturbados, já que ficam contentes de forma irracional e imoderada e passam a recear que as coisas mudem e percam aquilo que pensam ser bom. Mas, ao contrário, aqueles que não determinam serem as coisas naturalmente boas ou más, não as evitam nem as buscam avidamente, e, por isso, não se perturbam."

Sexto Empírico, Hipotiposes.

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Um Homem que Dorme

Quando literatura e cinema se fundem, e não há mais hierarquia de artes, o texto não descreve a imagem, a imagem não se subordina ao texto, há apenas uma amálgama perfeita:

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Retomada

Retomando mais uma vez. Agora prometo que não deixo o blog às moscas, e falarei mais sobre o que me move: a beleza, as artes, e algumas putarias. E lógico, de volta aos contos.
Pra o retorno, Blur fazendo duo com Fraçoise Hardy com a música To The End/La Comedie, belíssima: